quinta-feira, 21 de junho de 2012

Reflexões - II

Fui o quinto a nascer numa família de nove irmãos. Minhas lembranças vão até lá e vejo meus pais, ainda jovens, cheios de força, em lindas manhãs de sol, arando a terra, plantando sementes e colhendo seus frutos. Ajudei-os e senti o sabor dos grãos de trigo transformados em pão pelas mãos de minha mãe. Com eles aprendi a rezar.
Quando a noite caia lá naquele remoto pedaço de céu, naquela humilde casa de tábuas de pinho, envoltos na escuridão eu e meus irmãos dormíamos sonhando com tão pouco, mas era tudo o que se permitia sonhar.
Fui crescendo, ganhei sapatos e escovas de dentes, meus irmãos também e fui mandado para um seminário para ser padre. Lá me ensinaram que Deus é um supremo ser poderoso e o diabo um supremo ser desprezível. Vi muita hipocrisia, enfim me libertei.
Daí em diante aprendi a andar com meus próprios pés, machuquei-os, vi-os sandrar um sangue vermelho. O sangue era meu, a dor também. As lições se sucederam, algumas aprendi, outras não. Caminhei por lindas paisagens, caminhei por terras devolutas e ressequidas, senti o sol queimando minha pele, o suor com gosto de sal. Também cheguei ao córrego e joguei-me à sua água saboreando todo o seu frescor. 
Um dia cheguei ao que fazer. Quanto entusiasmo, parecia realizado. Conheci caras novas. Multidões desfilaram em minha frente, todos frenéticos em busca do ter. Vi muitos pisoteados pela ganância selvagem. Vi pessoas acumulando riquezas, mansões com fortes e pontiagudas grades separando-os do lixo humano que perambula pelo lado de fora, faminto e colérico, em busca de sobras.
Também conheci a tragédia da vida, o envelhecer e o morrer dos meus pais, outrora meus ídolos, tão fortes e parecendo imortais. A ironia também se faz presente, agora, no fim da jornada. No caminho por onde ando, pareço ser impecilho, devo desocupá-lo para que outros venham e machuquem também seus pés num correr desvairado para lugar nenhum.
Quero voltar à minha casa de tábuas de pinho, colher água na velha fonte, sentir o amor de meus pais tão jovens, cercar aquilo tudo de anjos e proibir o tempo passar. Ao anoitecer rezar com meus irmãos e depois dormir nos mistérios da escuridão.

Texto criado por ocasião da movimentação do Banrisul para aposentadoria de vários gerentes , em 22 de outubro de 1994. Arroio do Meio.

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