sexta-feira, 8 de junho de 2012

História

Lá pelos idos de 1930, num lugarejo igual a tantos outros no mundo e especialmente em nosso país, um casal chegou, construiu uma tosca casa de pinho, preparou as terras e quando a primavera chegou, lançaram a semente. O que foi planejado cresceu com todas as bênçãos dos céus. A colheita foi farta e houve regozijo e agradecimentos a Deus.
Foi lá que vim ao mundo. Nasci do mais puro e belo amor. Fui amamentado por uma mulher a quem passei a chamar de mãe. Fui crescendo. Tomei lugar no espaço universal e meus olhos viam e minhas mãos tocavam cada dia todas as dádivas que fluiam de um lar feliz. Meu corpo crescia e passou a vibrar nas alegrias e sofrer nas agruras. Meus pés descalços deixavam as marcas onde pisavam. Tropecei em pedras e vi sangue, sangue brotando debaixo de minhas unhas. No caminho que me levava à aula meus pés quebraram gelo  e as roupas feitas com tanto amor por mamãe não eram suficientes. Não importava. Não conhecia ninguém que vivesse melhor do que eu. Vi papai levantar antes que o sol e voltar para casa depois que ele se ia. Naquele pedacinho de mundo, tão grande para mim, nas noites frias de inverno, numa tosca cozinha com pequenas aberturas entre as tábuas o vento chiava e penetrava em meu pequeno corpo, cortante e implacável. No velho fogão, a lenha ardia sem parar e eu ficava contemplando as brasas rubras, ora mais intensas, ora opacas e virando cinzas. 
Com papai e mamãe, na maior paz e plenitude de ser, rezei milhões de Ave-Marias e creio que de nossa pequena casa, Deus as ouvia lá dos céus. Minha cama tão pobre era a mais rica que possuia. As pilhas que formavam meu colchão haviam sido preparadas por quem me colocou lá.  Vi o sol nascer e todos os dias passaram a ser novos dias, pois a cada dia meu amor era maior e minha curiosidade também.
Ouvi a vaca mugindo na estrebaria. Fui até lá e a ordenhei. Vi e tomei-lhe o leite. Fui até a roça e vi o trigo e ajudei papai a prepará-lo para a moenda. Lembro que a farinha era escura mas também lembro que jamais comi pão igual. Colhia lenhas e ajudava mamãe aquecer o forno. Pensava que o mundo inteiro era meu lar, as plantações e os animais que nos rodeavam. Vi a água descendo veloz pela sanga. E a névoa subindo do chão ao aquecer do sol. Senti a brisa roçando meu corpo e em tudo via um Ser supremo. Ao lado de papai, a pé, ia até a igrejinha, ouvia o padre e mais coisas ia aprendendo. 
Com 11 anos ganhei meu primeiro par de sapatos. Quanto orgulho e quanto deveria ter custado a papai. Olhava soberbo para meus pés e mal podia crer no que via. Só os usava aos domingos e só os punha nos pés em determinados momentos. Era muito importante conservá-los. 
Lembro meu mundo de então e foi para ele que fiz a poesia que lerei a seguir.(*)

* será postada em momento oportuno.
Texto criado em 1982.

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