quinta-feira, 24 de maio de 2012

Cidade Grande, sem rima

Cidade ilusão, alçapão dos incautos
Ninguém se conhece. Um bando de loucos
Atrás de carniças. Negócios mundanos
Esquecendo que vida só há com sossego
Se lançam às ruas apressados sem rota
carregam nas faces, cegueiras e rugas.

Doutores gorduchos, com ares faceiros
Mendigos imundos, com fezes nas roupas
Padres polidos, olhando p´ro céu
Esquecendo a terra, pois vivem aqui
Meninas bonitas, marginais, trapaceiros
Um carro que bate, alguém ali morre
É fato comum, ninguém se impressiona.

O vento que sopra espalhando fedor
Esgotos rompidos, crianças dormindo
Em portas de casas, crescendo com ódio
No andar logo acima, uma festa supimpa
Comida à beça, seios à mostra
Trauma p´ra alguns, volúpia p´ra outros.

Edifícios subindo, fumaça por tudo
O sol se escondendo, a vida morrendo
Os homens discutem, cientistas, fracasso
Cavando buraco p´ro enterro de tudo

De todos é a culpa, ninguém toma jeito
Caminham p´ro abismo, esperam o tombo
São coisas do avanaço, não há retrocesso.

Na praça do centro um matuto saudoso
Com dor de barriga, procura uma moita
Se guia pelo cheiro, vai dar num WC
Entra depressa, o guarda barra
Dá um dinheiro... e leva o papel
Senão vai de volta, te arranja na rua.

Recorda outros tempos, a roça de milho
Casebre da encosta, na boca do mato
O canto das aves, a vaca, o tordilho
A fonte de pedra, os pés de tabaco
Os raios da lua na noite calam
Entrando, clareando, inundando o barraco.

Publicado na Coluna Literária de 13 de maio de 1976.

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