segunda-feira, 9 de julho de 2012

Cascata da Usina

Verdes águas raivosas e espumantes
Mergulhando dos céus, nas pedras quebrando
Grandes piscinas profundas formando
Oásis celeste, prodígios fulgurantes
Trazendo emoções, natureza, amantes
Meu universo, minha catedral cantante.

Imaginem em tempos idos, remotos
Cercada de verdes e virgens florestas
Os animais todos, os índios estupefatos
Saciando a sede, índias esbeltas
Molhando a pele morena em noites de festas
E os deuses consentindo, monumentos intactos.

Deixemos o homem branco de fora
Com suas heresias, ignorante, profano
Deixemos a verde floresta, os deuses ditando
Naquele paraíso os espíritos vivendo
Os guarás em noite de lua, uivando
Protestos aos céus, os anjos ouvindo
As águas caídas das pedras, quebradas
Lambendo suas verdes margens, pedindo
Não toquem em mim, respeitem-me, imploro
Deixem os animais primitivos em mim vivendo
Deixem os índios  suas mulheres divinas amando
Sem maldades, com a natureza sintonizando
Parem o tempo, congelem a imagem
Coloquem-na numa redoma de vidro
Para que, intocada para todo sempre
Permaneça viva com os sonhadores
Dos verdes tempos, dos grandes amores
Com meus mistérios... eternamente.

Luiz Bavaresco
Nova Prata, 17 de junho de 1996.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Despedida

No meu longo caminhar
Muitas coisas pude ver
E agora ao entardecer
Me pus a meditar
Valeu a pena assim ser
Valeu a pena assim andar.
Conheci no meu caminho
Depessoas, toda sorte
Tenho pisado em espinhos
Tenho esbravejado forte
Tenho andado de mansinho
Sempre voltado ao norte.
Andanças de travessias
Ventos fortes, maresias
Mil pedaços, sinfonias
Muitas pedras pontiagudas
Mas também muita alegria.
Peço licença, vou-me embora
Noutros campos vou morar
Aos que me fizeram bem, agora
Meu abraço, meu rezar
Aos outros, não sei quem são
Nunca os vi, foi muito bom
Pouparam meu coração
Que nunca soube blefar.

Poesia criada em novembro de 1995, Arroio do Meio.

domingo, 1 de julho de 2012

O Renegado

Sou um velho andarilho descalço
Meus calcanhares partidos, sangrando
Sigo minha triste sina implorando
O sangue vermelho as pedras manchando
Ouvindo escárneos, minh´alma chorando
Meu Deus! Minha trilha só teve percalços...
Doutores, senhores, piedade
Dêem-me subsídios, caridade
Não sofro nenhuma insanidade
As noites tão longas, escuras
Meu ser geme as agruras
De minha família, quanta saudade.
Tenho tido grandes alucinações
Estive diante de Deus poderoso
Tem-Se mostrado comigo Bondoso
Disse-Me: querido filho!
Isso é uma provação
Em tua efêmera passagem
Tu és minha imagem
Sofrerás grandes humilhações
Verás nos homens a falsidade
Dos orgulhosos, dos prepotentes
Apegados aos seus tesouros
Como se fossem besouros
Com suas bolas de fezes
Armazenando-as no subsolo
Para se banquetearem
Na eternidade
Ou enquanto
Suas riquezas... durarem.

Poesia criada em outubro de 1995, Arroio do Meio.

sábado, 30 de junho de 2012

Nostalgias

Outrora, índios senhores das matas
Em noites de prateado luar
Ao pé de lendárias cascatas
Ficavam à escuta dos guarás a uivar
Inimagináveis belezas fulgurantes
Mulheres morenas com lábios de mel
Sensuais, envolventes, insinuantes
Senhoras divinas com seus amantes
Vivendo nas matas, livres, estonteantes
Até que um dia maldito, um tropel
Cavalos, cavaleiros e mil demônios
Todos amargos com gosto de fel
Chegaram ao paraíso
Que enorme prejuizo
Difamaram aquele santuário
Como irracionais tudo destruiram
Que grande crime fizeram
Não se ouviu mais os guarás
Os papagaios, as gralhas azuis, os urus
O frescor das matas e a sua botânica
Vítimas da ação satânica
Desaparceram
Sumiram
Somente restou
Terra desnuda
Empobrecida
Ressequida
Sem valor
Sem amor
Sem vida.

Poesia criada em outubro de 1995, Arroio do Meio.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Mundo Real

Senhores abastados
Homens enclausurados
Prisioneiros do verbo TER
Homens limitados
De horizontes enlameados
De espaços demarcados
Com suas ricas mulheres
Cobertas por jóias e celulite
Intragáveis, despencadas, pretensiosas
De nariz empinado, maliciosas
No mais alto grau da fina elite.

Homens inteligentes
E suas mulheres atraentes
Aparecendo em alto estilo
Prisioneiros do verbo SER
Querendo mais, e mais poder
Como se sua espécie fosse eterna
Andando em seus carros fechados
Vidros escuros "para não ver"
O mundo ao seu redor
A miséria, o sofrimento, a dor
A desgraça, o desespero, o horror
E... a cara do mundo infame.

Ambos transgridem a Lei de Deus
Escarram nos semelhantes seus
Depois pedem clemência
Se dizem cheios de amor
Desde que... as mãos dos excluídos
Não maculem o verbo SER
E não subtraiam do verbo TER
Afinal...
Este é um mundo animal
Este é um mundo real.

Poesia criada em 3 de outubro de 1995, Arroio do Meio.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Divagação

No caminho, retratos
Sem vida, abstratos
Desvios adjacentes
Nada convincentes
Pintam à noite
Ocultam a lua
Disseminando incertezas
Ensaiando proezas
Pairando no ar...
E... a brisa morna, pesada
Encharcando a alma
Tirando-lhe a calma
Fazendo-a vagar ao léu
Bem longe do céu
Em busca de quem
Em busca de alguém
Que sirva de apoio
Que seque uma lágrima
Que traga consolo
Que diga amém
Que faça afagos
Sem causar estragos
Que faça adormecer
Estendendo o sentido de ser
Feliz
E... nada mais.

Poesia criada em setembro de 1995, Arroio do Meio.

Grande Homem

O grande homem vivia isolado
As grades da altura dos céus
Tão pontiagudas, espetavamos olhos de Deus
Desconhecia os semelhantes seus
Pensava ter vida eterna, coitado
Miserável, mesquinho, cercado
Amarrado à sua rica mansão
Não tinha ninguém por irmão
Em suas cobranças era sarcástico
Sem piedade, sem dor, fantástico
Desconhecia o sentido da palavra "amor"
Era único, absoluto, independente
Sabedor de tudo, onipotente
Mas...
Um dia o sino da igreja badalou
O grande homem tombou
Dele ninguém lembrou
A não ser pelo que cobrou
Ao cemitério alguns o levaram
Em seu túmulo não choraram
Com cimento seu corpo lacraram
E seu dinheiro também...
Nem uma flor
Nem uma dor
Nenhum amor
E... tudo passou.

Poesia criada em agosto de 1995, Arroio do Meio.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Vida Nascendo... Vida Morrendo...

VIDA NASCENDO

Num momento de amor
No desabrochar da flor
No amanhecer do dia
Numa gota de orvalho
No olhar de Maria
No caminho, no atalho
Num casebre qualquer
No fundo da mata
Muito além da cascata
Onde canta a cotovia
Num berço de palha
Num Jesus menino rei
Numa lição de humildade
Dizendo à humanidade
Que a maior felicidade
É estar bem com a consciência
É estar de bem com Deus.

VIDA MORRENDO

Na mata incendiada
Na terra inundada
Na poluição ambiental
Num quarto de hospital
No fim da esperança
No desajuste social
Num desrespeito
Numa grosseria
Numa mente doentia
Numa ambição desenfreada
Num país falido
Num povo traído
Num filho desnutrido
Numa corrupção total
Numa justiça parcial
Na falta de um Deus
Na visão tapada dos ateus
Numa porfunda dor
Na falta de amor
No fim da noite
após... um longo açoite.

Poesia criada em agosto de 1995, Arroio do Meio

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Detalhes

Juizes decidem jogos, balbúrdias
Senhores oprimem fracos, distúrbios
A roda da vida, o circo do fel
Confusões, incertezas, Babel
Na calçada um mendigo imundo
No andar logo acima, o dono do mundo
Um mendigando envolto em fezes
Outro esbelto, bebidas leves
Um terceiro passa apressado
Atrás, nervoso, anda o credor
Uma prostituta cheia de amor
Um gigolô explorando o labor
As rezas saindo da igreja, pro céu
No meio do caminhos os anjos as levam
Um santo lhes entrega um troféu
No jardim as rosas já murcham
As formigas suas pétalas carregam
Um negociante, quebrado, sem rumo
Procura uma corda para se enforcar
A corda ele não pagou
Por isso o homem da lei julgou
E como sentença lhe dá
Vinte arrobas de brasas, a arder
Pra se queimar
no fundo do inferno
até cinzas virar...

Poesia criada em 13 de julho de 1995, Arroio do Meio.

sábado, 23 de junho de 2012

Meditação

Chuva insistente
Calçadas molhadas
Olhar desolado
A espera do sol
Pessoas caminhando
Sapatos molhados
Cachorro pulguento
Olhar desconfiado
Todo enrolado
Debaixo da escada
Goteiras caindo
Janelas fechadas
A lenha queimando
Fumaça cheirando
Cozinha esquentando
Chaleira chiando
Pipoca estourando
Seu doce sabor
Aconchegante calor
Clima porpício pro amor
A noite chegando
O aguaceiro seguindo
Batendo no zinco
As pessoas dormindo
O cachorro latindo
Quabrando o silêncio
A paz profanando
Em sua vida de cão
Mas... o tempo segue
E... a vida também.

Poesia criada em julho de 1995, Arroio do Meio.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Decepções

Ludus Primus
Esta noite o presidente falou
O povo sua fala escutou
Lá fora uma coruja soturna piou
E o João, com fome, mais uma vez nele confiou.
Um político querendo a camisa abotoar
Não fosse a barriga grande a atrapalhar
O reverendo olhando pro céu a rezar
O doutor procurando um cliente pra faturar.
Coloquei mais um copo de cerveja a espumar
Goela abaixo, que delicioso frescor
Na televisão, aidéticos, presidiários, amotinados
Beijos, novelas, cornudos e descornados.
É o teatro da vida a se apresentar
Carniças, escombros e muito temor
Protegidos, excluidos, agraciados, desesperados
Filhos tristes, drogados, mal educados
Pessoas velhas com olhar vazio, tapados
Meu pobre planeta pra onde vai indo?...
O que os humanos estão contigo fazendo?...
Ninguém sabe... não sabemos... não sei...

Poesia criada em Arroio do Meio, 30 de junho de 1995.

Reflexões - II

Fui o quinto a nascer numa família de nove irmãos. Minhas lembranças vão até lá e vejo meus pais, ainda jovens, cheios de força, em lindas manhãs de sol, arando a terra, plantando sementes e colhendo seus frutos. Ajudei-os e senti o sabor dos grãos de trigo transformados em pão pelas mãos de minha mãe. Com eles aprendi a rezar.
Quando a noite caia lá naquele remoto pedaço de céu, naquela humilde casa de tábuas de pinho, envoltos na escuridão eu e meus irmãos dormíamos sonhando com tão pouco, mas era tudo o que se permitia sonhar.
Fui crescendo, ganhei sapatos e escovas de dentes, meus irmãos também e fui mandado para um seminário para ser padre. Lá me ensinaram que Deus é um supremo ser poderoso e o diabo um supremo ser desprezível. Vi muita hipocrisia, enfim me libertei.
Daí em diante aprendi a andar com meus próprios pés, machuquei-os, vi-os sandrar um sangue vermelho. O sangue era meu, a dor também. As lições se sucederam, algumas aprendi, outras não. Caminhei por lindas paisagens, caminhei por terras devolutas e ressequidas, senti o sol queimando minha pele, o suor com gosto de sal. Também cheguei ao córrego e joguei-me à sua água saboreando todo o seu frescor. 
Um dia cheguei ao que fazer. Quanto entusiasmo, parecia realizado. Conheci caras novas. Multidões desfilaram em minha frente, todos frenéticos em busca do ter. Vi muitos pisoteados pela ganância selvagem. Vi pessoas acumulando riquezas, mansões com fortes e pontiagudas grades separando-os do lixo humano que perambula pelo lado de fora, faminto e colérico, em busca de sobras.
Também conheci a tragédia da vida, o envelhecer e o morrer dos meus pais, outrora meus ídolos, tão fortes e parecendo imortais. A ironia também se faz presente, agora, no fim da jornada. No caminho por onde ando, pareço ser impecilho, devo desocupá-lo para que outros venham e machuquem também seus pés num correr desvairado para lugar nenhum.
Quero voltar à minha casa de tábuas de pinho, colher água na velha fonte, sentir o amor de meus pais tão jovens, cercar aquilo tudo de anjos e proibir o tempo passar. Ao anoitecer rezar com meus irmãos e depois dormir nos mistérios da escuridão.

Texto criado por ocasião da movimentação do Banrisul para aposentadoria de vários gerentes , em 22 de outubro de 1994. Arroio do Meio.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Reflexões

Quando busco no fundo do baú das minhas lembranças meus primeiros momentos na empresa que passou minha própria e única história, como num filme, que parecia ser de longametragem, mas que na realidade, só agora percebo, foi de curtametragem, vejo todas aquelas pessoas que compuseram o elenco alegre, o elenco preocupado, os momentos de euforia, os momentos de expectativa, os momentos de desespero também. Vi componentes do elenco sucumbindo à fatalidade. Vi outros saborearem na taça do prazer toda a felicidade das dádivas que os homens que mandavam puderam lhe alcançar.
Quando ainda servente, entre uma tarefa e outra, olhava meus chefes, analisava suas atitudes e percebia quantas faces se alteranavam no mando, ora da incopetência, ora do pleno saber.

Depois disso e até hoje as cenas tem sido mais rápidas, os personagens mais discretos, as máquinas frias e calculistas foram chegando, os homens desaprendendo, nelas tudo confiando, suas almas foram tragadas, suas mentes maltratadas, seus nomes passaram a ser númerosna escala infinita do anonimato, em casa passaram a ser pilhas carregadas com poderosos raios explosivos que colocaram barreiras invisíveis e intransponíveis entre o viver e o ser. Seus filhos, suas esposas passaram a ser vistos como são vistos os planos de governos que se sucedem, sempre com muita preocupação. Já não há mais quem aguente tanto desmando dentro do mando. Então começamos a ficar pequenos, escondidos, atrás de nossas próprias sombras encobertos pela rede de incertezas que nos oprime entre a máquina e o comando, entre o poder e o obedecer.
Enfim, grandes lições aprendidas, após toda essa tormenta, chegamos à foz de nossa existência profissional e todas as nossas bagagens colhidas durante a travessia em águas calmas ou em cachoeiras raivosas deverão ser jogadas ao mar para que a água as leve lá bem adiante, até as mãos de Deus para seu julgamento.
Depois disso, quem sabe, um barco de ilusões, muito pequeno, muito aconchegante nos devolvia o tempo e o espaço para saber e aprender na medida certa, o que é o amor, o que são os amigos e o que podem nos proporcionar daí em diante até que outros seres ocupem nosso espaço e voltemos ao nada, donde viemos para fazer não sei o que, nem sei para quem...

Texto criado por ocasião da movimentação do Banrisul para aposentadoria de vários gerentes, em 21 de outubro de 1994, Arroio do Meio.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Marilia

Receba estas recomendações como nossa modesta cooperação para que teus dias sejam mais fáceis e para que te sintas melhor com o mundo e com os que te acompanham ou estão ao seu redor. Saiba que teu pai e tua mãe te amam e querem o melhor para ti.


1. Quando tens que tomar uma decisão duvidosa, dê tempo ao tempo. Nunca faças no primeiro instante.
2. Saiba que do teu comportamento presente, da tua conduta e da busca do objetivo que persegues amanhã, será extremamente facilitado e teus sonhos se realizarão normalmente como prêmio de conduta.
3. Estarás numa cidade grande onde tudo existe, tanto o bem como o mal. Deves precaver-te do mal. Fique distante dele. O mal é tudo aquilo que pode atrofiar teu futuro e aquilo que desgosta teus pais.
4. Nunca te entregues a alguém sem que nisso exista um profundo respeito e afeto. Abstenha-te, pelo amor que tens aos teus pais, de aventuras com gente que só pensa em viver o presente inconsequentemente. Caso contrário, trilharás o caminho dos desaventurados ou dos que fazem questão de sucumbir na vida.
5. Seja competente e sempre procures ser a primeira, não interessa quem esteja no páreo.
6. Isto é o mais importante. Perceba todas as situações quando as enfrentares. Seja tolerante e compreensiva e o mundo te aplaudirá.
7. Saiba que o que estamos fazendo é mais que um ato de amor; é um ato heróico e que estamos colocando em risco nosso próprio bem estar futuro. Como sabes o fantasma do desemprego e da recessão também nos rondam.
8. Em caso de dificuldades invoque Deus e que sua proteção e misericórdia sempre estejam por perto de você.
9. Antes de praticares qualquer ato ou aceitares qualquer convite olhe ao teu lado e verás teu pai e tua mãe. Encare-nos e gostaríamos que percebesse nossa desaprovação ou aprovação, nosso constrangimento ou nossa dor.
10. Embora não pareça, embora tenhamos convivido momentos difíceis, ame-nos. É só o que queremos.
11. Teus atos deverão ser inteiramente assumidos e conscientes, assim como as consequências.

Boa sorte Marilia.
Teu pai Luiz.
Tua mãe Rosa.
Teum mano Luís Ferrnando.
Torcemos por você.
Vá lá!

Carta para Marilia, então com 18 anos, no momento de sua mudança de Muçum para Porto Alegre a fim de cursar a faculdade, em um março qualquer, muitos anos atrás.

domingo, 17 de junho de 2012

Vida III

Ventos soprando forte
Sobre a montanha nua ressequida
Plantas mortas, espinhos de toda sorte
Num cenário cabal, sem vida.
A natureza outrora verde e forte
Jaz inerte, opaca, combalida.

Sulcos profundos, terras escaldantes
Outrora sombras, dos pássaros o gorjeio
Fontes d´água, córregos em seu seio
Hoje um sol raivoso, causticante


Causando-nos mal estar e grande anseio
Pelo que possa vir de agora em diante.

Terra desnuda, órfã e maltratada
Quanto alimento produzistes antes
Quantos famintos em noites ofuscantes
Buscaram frutos em tuas plantas decepadas
Saciaram a fome às tuas custas, terra amada!
Depois te abateram em cerimônias horripilantes!

Senhor Deus, diz aos humanos
que a terra é mãe e nos dá o pão
Proiba seus métodos profanos
E diz-lhes ser a única opção.
Antes de cairmos nas profundezas
De uma grande e preocupante decepção.

Depois do deserto, longe, uma miragem
Verdes pradarias, plátanos, em flor as laranjeiras
A natureza produzindo inesquecíveis imagens
As plantas vivas, as castanheiras
Verdes rios, as águas limpas, lindas margens
Crianças, animais e homens à sua beir.

Poesia criada em Arroio do Meio, outubro de 1994.

sábado, 16 de junho de 2012

Vida II

Um dia andei lindo e solto
Minhas margens esverdeadas,
Borboletas multicoloridas...
Pássaros em mergulhos
Peixes mil em mim vivendo
A sede dos homens saciando e,
Deles sempre esperando
Proteção e amor sem ser revolto.

Um dia em minhas águas jogaram
Produtos químicos e muito lixo
As doses dia-a-dia aumentaram
Toda a minha vida envenenaram
Todos os peixes morreram.
As borboletas nunca mais voaram
Minhas margens descoloridas
Chagas vivas, muitas feridas...
Carcaças de animais apodrecidos
Meus microorganismos assassinados
Águas densas, leitosas, esbranquiçadas
Os homens nunca mais em mim beberam
As aragens de outrora, meu frescor
Sumariamente banidos, agora fedor.
Todos os meus veios poluídos
Minhas margens agora mortas
Sem bentevis, sem saracuras
Plantas secas, muitas agruras,
Pedem socorro aos responsáveis.
Dêem-me a vida, é um direito!
Tirem a lama do meu leito!
Me desentulhem para ser livre
Limpem minhas águas para beberem,

Como outrora os índios fizeram.
Muitas árvores à minha beira
Formando uma verde trincheira
Fazendo sombras e bem-estar
Para quem ali quiser descansar,
Para a mãe o filho amamentar.
Para em paz, ali, um dia
Um oásis, um paraíso assim formar.
Trazer anjos para cuidar,
Aos agressores castigar
Águas livres, cristalinas,
Microorganismos se multiplicando
A vida de novo efervecendo
Os homens naquilo entendendo
A minha missão então voltando
E a todos os fins então servindo.

Poesia criada por ocasião da Gincana "Vale Vida", no Vale do Taquari, em Arroio do Meio, outubro de 1994.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Na Mula Che No La Pol Véder Frati e Móneghe

Luiz Bavaresco (Muçum - RS) ´l vá túti i giórni, dopo ´l laoro li te ´l armazen de Jacob Bassani che l´e rente la Rodoviaria. On giorno ´l se cata co Heitor Poletti e, dopo arquante birote, ´l ghe conta sta stória e, dise Luiz, "son ndato casa e la gó scrita pa méterla su ´l giornal", E l´a scrita cosi:

"Lá pa ´l 1948, Heitor Poletti i Fioravante Fantin, negossiánti de mule i zera li te Hotel Lupatini, rente La Vila Esperança (Vespasiano Corrêa) e riva li on omo co na belissima mula, pel lustro, piena de salute. Parla dequá, parla delá, fin che i riva su ´l negossio.

Ventelino Kel l´era ´l paron dea mula, ´l ghe dise che ´l vol cinquanta fiorini. Poletti i Fantin i se tira de na parte, i ciácola e i cata che la zera barato e che i podaria far on gran negossio. Suito che i gá parlá e deciso far negossio i vá per combinar co Ventelino Kel, che l´era li co ´l fassoleto in man, ch´el se sugava le lágrime, parche ´l disea, "Me despiase, ma la vendo parché son persona de parola, a ve la gó impromessa e, anca, parché gó on débito co Basilio Salini e ze rivá ´l praso e co sóldi che ciapo, pagaró ´l débito.
D´acordo co ´l negossio, Poletti ´l gá proá passarghe le man davánti i óci, pa veder se la struchea i óci o nó, pa saver se fúrsi no l fusse orba. Ma la gá dá de chele bele strucade che no la gá dassá dúbi. Ventelino co´l gá visto che i podea scorpir che l´era orba, ´l ghe dise: " Varde, no sté ndar co sta mula a Esperança, parché lá ghé ´l prete e le móneghe e ela no la pol veder ne préti, ne moneghe!
Ben, ben, se ze par coel no conta gnente, parché no se vá tante volte in paese, se la dópera pa laorar in colónia. Fato ´l negossio, come i era caval i gá ligá mul par da drio e via casa. Rivádi casa, i ghe presenta la mula a ´l vécio Fantin e i ghé che i la gá pagada sinquanta fiorin, e ´l vécio ´l risponde: "Massa barata, fiói, o l´e on stúpido che ve la gá vendesta, o la mula l´é piena de diféti.
I vá fin l´invernada e la mola. La ze ndata drita te na taipa e l´é cascada do, cose che la se copa. Lora che i se gá nicorto parché no la podea véder ne préti ne móneghe! L´era orpa, sicuro che no li podea veder!
Poletti e Fantin, lora, i decide fracarghela a áltri, vénderla e qualche baucoto e i vieen saver che un brasilian li de le grote de ´l Guaporé ghe ocorea na mula. Via suito par dela co la mula, ma come ´l brasilian no ´l gavea sóldi, i la gá trucá pa un s-ciópo de du cánti. I vien casa conténti, parché i gá pará váanti stá mula. Ma , co i riva casa, i se cata co ´l fiscal dea cassa, e no i gavea registro de sta s-ciópa e lu ´l ghe dise: "No saveo che no se pol ndar via pa e strade co s-ciópi sensa registro? E ´l ghe tol la s-ciópa! Lá i se gá nicorto che i imbroiadóri i é stai imbroiái! La ze próprio come i dise e brasiliáni: " O feitiço virou contra o feiticeiro"!

Texto criado em Muçum-RS, publicado no Jornal Correio Riograndense, na seção "Vita, Stória e Frótole - Cozi i vive i italiani", em 1988, em língua italiana.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Luiz Bavaresco Conta a Sua História (italiano)


Luiz Bavaresco, abonante del nostro giornale in Muçum-RS, che lé, anca, gerente del Banrisul, el stránia come la gioventú d´oncoi no la crede la stória e la vita de na volta, lora el conta lú come lé sucedesta sta stória tea sô vita. El dise: "Tel ano de 1941 son vegnesto al mondo. Son nato te on pósto che i ghe ciamea Cascais, chi a chel tempo l´era tel distrito del Paraí, tel munissípio de Nova Prata. Desso i é dú munissipi sia el Paraí, sia Nova Prata.
Me pare e me mare i era da star lí da on bel tempo. I era vegnésti de Alfredo Chaves tel 1936. La mudansa i la gá portada te na carreta tirada a mui. Un fogoneto, un baú co le robe, due o tré pignate de ferro, arquánti piáti, na cassa co méda dúsia de galine, no sapa o due, la manara e el roncon.
Riváldi al pósto i zê nadái star te na caseta che la zera sora la terra che i gavea comprá dei brasiliáni, che l´era sensa soáio in terra. In méso ghe zera on grande fogolaro co na correntona ligada sú te un caibro e che la pendea sora el fogo, e lá se fava el magnar.
La Escola
Te un abiente cosi son nato e, grássia a Dio, gó impará tante bele robe, como el rispeto e l´obediensa. Me ricordo che te´l inverno stévino túti quánti, nove fradéi, drio el fogolaro, sentái te na bancheta de tole, túti rente per scaldarse, intanto che se pregava la corona, e dopo se disea sú le tánie. Dopo se finia le preghiere, se cipava la gamela, se la impienia de ácoa calda e túti se lavava i pié per nadar in leto. I léti i éra túti grándi e álti, e parea cassôni.
Tel teto ghera on paion fato de scartóssi de milho e sora el paion, on paioneto de pena de galina o de oca. I tusiti i se butava túti insiéme  te un leto e le tosete tute insiéme te n´altro leto.
Cô se ndea in leto se pregava n´altro pochetin e dopo se dormia. A matina, se levava sú bonora, prima del sol, se fea i laúri de casa e dopo se ndea scola. La professora, me ricordo che la gavea 53 alúni del primo al quinto ano e la insegnava tute le matérie, e come se imparava polito?! No la gá mái fato greve e la cipava ssti míseri sóldi che la prefeitura la ghe pagava. Dopo la scola, la maestra la ndava casa par môlder le vache, farghe de magnar al sô omo, e ai sô túsi e tose. Grássia Dio la me maestra la vive ancora, co chei póchi sóldi che a ciapa dea posentadoria dea prefeitura.
Me gó pensá de contar tuta sta stória, parche oncô no se pol gnanca parlar a la gente gióvane de sti mistiéri de na volta parchê lúri no i crede gnanca. Se ghe digo che gó guadagná le prime scarpe com úndesse áni, i ride depí oncora. E se ghe digo che prima de ésser mie le zê stae de me sorele, i ride de depí oncora. Le gera de tanto pí grande del me pié, e lora parchê le stesse ben tel pié, se inpenia la ponta co carta de giornal vécio, che l´era próprio del Correio Riograndense. Ma, parchê le scarpe piú grande del pié? Saví che da pícoli se vien sú come la salata e doman o dopo, i pié i si alarga e le scarpe no le vá piú ben, pensando che a chel tempo che se ndea in colónia pié per terra i pié i vignea sempre piú grándi e le scarpe tocava farle sora mesura. Lora ste scarpe le servia anca alcúni áni dopo, fin che i pié i ghea stea rento. Dopo, magári, le scominciava a ésser doperade per fradeléti che i vegnea da drio.
Le Braghe
E le braghe? Le braghe le gera de brin che i ciamea brin diamantino, le rivava fin el danócio, co le sô bele tirache larghe, fate del stesso brin, se ghen vansava, sinó anca de altro color. Tel inverno, i pié e anca ele gambele se crepava del fredo che ghe géra. lora se dassava la rogna che la vegnea su grossa on deo. Quando la mama la se ricordea, la ciapava on bótolo e la sfreghea fin che vegnea fora el sángoe, per fare végner ancora al color dea péle. Ve digo tuto e tute ste stórie perché me ricordo con grann saudade de qüéi témpi. Quando se ndea piantar formento soto la brina alta quatro déi. De tuto´l miél che gó giutá a cavar de le ave e de tute de rósse ché gó giutá a sapar soto´l sol e soto la pióva.
Incói vardo intorno e vedo na giuventú sensa gnanca na sperienza e che i me mete paúra parché diman i sará lúri che i vá comandar ste mondo.
Par finir ve digo che dimênega che vién vui ndar lá, ndove son nassisto e vui bêvar áqua te la medésima fontana e vai vardar le piante che securamente le zê ancora lá, vui ricordar me pupá e me mama, vui pregar e domandarghe a Dio che´l benedissa chel pósto e che tute  le matine de sol, i ángeli del celo i vegna te chel pósto par tênderlo e benedirlo.

Texto criado em Muçum-RS, publicado no Jornal Correio Riograndense, na seção "Vita, Stória e Frótole - Cozi vive i italiani" em 19.10.1988, em dialeto italiano.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Fim de Jornada

Vi deuses onipotentes gerando ódio
Vi deuses benevolentes distribuindo amor
Estive nas filas dos humanos normais
Muitos morreram, sobreviveram alguns
Uns me deram conforto e bem estar
Outros me encheram de grande amargor.

Senti meu ser estremecendo
Querendo gritar "me soltem" que imenso pavor
querendo dizer "quero ser compreendido"
Mas o maldito silêncio e o desdém
Quase no fim de um longo caminho
Trazem os dois deuses pra dentro de mim
Então pergunto, quem são vocês?
Quão satânicas são suas identidades
E porque existem imunidades
Pra deuses que fazem mal sem fim?

A resposta vaga pelas nossas vidas
Formando grandes chagas doloridas
Que insistem atingir nossa alma e sentimento
Então num gesto louco e já sem alento
Eu me pergunto, valeu a pena?...
Tratar bem seres humanos máquinas
Que sem amor, feitos de táticas
Passam por cima de tudo como mecenas
Embebedados em suas matemáticas
Que multiplicam a vida e destroem o SER
Sem se importar em suas sistemáticas
Que na vida se vive e se deixa viver.

Poesia criada em Arroio do Meio, setembro de 1994.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Marilia

Quando você nasceu fiz uma poesia.
Eras tão frágil e o mundo tão assustador e medonho.
Cresceste sob o olhar curioso e sonhador de quem tanto te ama. O tempo foi passando e, como dizem vocês jovens, nossa curtição foi aumentando. Não imaginas o quanto estamos atentos e prontos a auxiliar-te em tudo o que for preciso.
Hoje novamente inspirado, ofereço-te uma segunda poesia. São palavras que saem da grande fornalha que é o coração de teu pai.

Como eu gostaria minha filha,
Saber valsar para levar-te
Até Deus e dizer-te
Quanto te quero minha Marilia.
E depois num devaneio celestial
Ir mais longe, aos confins do universo
Pedir num coro angelical
E dizer-te que tudo é lindo
Que não existe o mal
Que o mundo é dócil
Que as estrelas brilham
Que os amigos habitam nosso coração
Que devemos a eles nossas emoções
E que seu calor
Nos faz renascer
Nos dando muita razão
Para lutarmos
Para amarmos
E para vivermos...

Poesia criada por ocasião dos quinze anos de Marilia, 14 de fevereiro de um ano qualquer, na cidade de Muçum.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Descrença

Em uma rua qualquer, 
um sol causticante.
Pelas rugas, num rosto curtido
desliza suor abundante.
Olhos profundos,
amordaçados
e sem expressão.
As roupas aos trapos
escorridas, aos fiapos
contrastam na multidão.
Pés descalços, doloridos
calcanhares carcomidos
sangram ao contato
com as pedras quentes no chão.
Às costas, cadavéricas
um fardo nauseante
e é tudo o que tem...
Que disparate
e quanto desdém.
Contou-me:
Fora jovem, pretensioso, 
sonhador, ambicioso.
Até teve dinheiro e alguns amores
teve grande temor a Deus,
depois...
os dissabores,
mil desgraças,
mil horrores,
causados por caprichoso destino
deixaram-no ao desatino.
Vi
no vazio do seu olhar
duas grossas lágrimas rolar
e misturarem-se ao suor.
Com suas magras mãos tapou a face
e o silêncio voltou.
Descrente de tudo
segue mudo
na podridão do mundo.
pela estrada
do nada
no deserto
da imensidão.

Poesia publicada no Informativo do Banrisul em 1987, sendo criada na cidade de Muçum-RS.

domingo, 10 de junho de 2012

Vida

Nascendo:
Numa manhã de sol
Nas coisas do amor
Nas almas amantes
Nos sorrisos confiantes
No orvalho da noite
No esforço constante
No esboço do artista
No açoite das dores
Nos ventos que sopram
Num berço de palha
Numa gota de chuva
que cai displicente
fazendo milagres
na terra carente
após a estiagem.

Morrendo:
Na mata incendiada
Na terra inundada
No poente inclemente
Na noite da alma descrente
Nas promessas vazias
Num edifício em chamas
No nada
Na lama
Na estrada
Num fim de jornada
em um leito qualquer.

Poesia criada em 1986.

sábado, 9 de junho de 2012

O Cortejo Macabro

A rua ainda está molhada.
O aguaceiro que caiu vai longe.
Do velho campanário ouve-se alguns badalos
que fazem eco aqui, acolá.
No chão algumas formigas, displicentemente
procuram alimentos.
Subitamente são esmagadas
por sapatos enormes
que batem compassadamente.
Por alças de metal brilhante
um caixão preto é suspenso
por gente sem expressão.
É o cortejo do grande homem.
Alguns rangidos, janelas se entreabrem
e olhares curiosos são lançados à rua. 


O cortejo dirige-se à velha igreja.
Algumas rezas e logo saem donde
nunca entrara antes.
Marcham para o campo dos mortos.
Apressados empurram o caixão
para o local indicado.
Algumas colheradas de argamassa
lacram o túmulo do grande homem
que ficará aguardando
as trombetas divinas
no dia do juizo final.
Depois...
A noite chegou.
O grande homem sumiu.
A cidade dormiu.
O aguaceiro voltou.
Nada fez de bem.
Logo...
NADA DEIXOU.

Poesia criada em Sertão, 20 de agosto de 1984.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

História

Lá pelos idos de 1930, num lugarejo igual a tantos outros no mundo e especialmente em nosso país, um casal chegou, construiu uma tosca casa de pinho, preparou as terras e quando a primavera chegou, lançaram a semente. O que foi planejado cresceu com todas as bênçãos dos céus. A colheita foi farta e houve regozijo e agradecimentos a Deus.
Foi lá que vim ao mundo. Nasci do mais puro e belo amor. Fui amamentado por uma mulher a quem passei a chamar de mãe. Fui crescendo. Tomei lugar no espaço universal e meus olhos viam e minhas mãos tocavam cada dia todas as dádivas que fluiam de um lar feliz. Meu corpo crescia e passou a vibrar nas alegrias e sofrer nas agruras. Meus pés descalços deixavam as marcas onde pisavam. Tropecei em pedras e vi sangue, sangue brotando debaixo de minhas unhas. No caminho que me levava à aula meus pés quebraram gelo  e as roupas feitas com tanto amor por mamãe não eram suficientes. Não importava. Não conhecia ninguém que vivesse melhor do que eu. Vi papai levantar antes que o sol e voltar para casa depois que ele se ia. Naquele pedacinho de mundo, tão grande para mim, nas noites frias de inverno, numa tosca cozinha com pequenas aberturas entre as tábuas o vento chiava e penetrava em meu pequeno corpo, cortante e implacável. No velho fogão, a lenha ardia sem parar e eu ficava contemplando as brasas rubras, ora mais intensas, ora opacas e virando cinzas. 
Com papai e mamãe, na maior paz e plenitude de ser, rezei milhões de Ave-Marias e creio que de nossa pequena casa, Deus as ouvia lá dos céus. Minha cama tão pobre era a mais rica que possuia. As pilhas que formavam meu colchão haviam sido preparadas por quem me colocou lá.  Vi o sol nascer e todos os dias passaram a ser novos dias, pois a cada dia meu amor era maior e minha curiosidade também.
Ouvi a vaca mugindo na estrebaria. Fui até lá e a ordenhei. Vi e tomei-lhe o leite. Fui até a roça e vi o trigo e ajudei papai a prepará-lo para a moenda. Lembro que a farinha era escura mas também lembro que jamais comi pão igual. Colhia lenhas e ajudava mamãe aquecer o forno. Pensava que o mundo inteiro era meu lar, as plantações e os animais que nos rodeavam. Vi a água descendo veloz pela sanga. E a névoa subindo do chão ao aquecer do sol. Senti a brisa roçando meu corpo e em tudo via um Ser supremo. Ao lado de papai, a pé, ia até a igrejinha, ouvia o padre e mais coisas ia aprendendo. 
Com 11 anos ganhei meu primeiro par de sapatos. Quanto orgulho e quanto deveria ter custado a papai. Olhava soberbo para meus pés e mal podia crer no que via. Só os usava aos domingos e só os punha nos pés em determinados momentos. Era muito importante conservá-los. 
Lembro meu mundo de então e foi para ele que fiz a poesia que lerei a seguir.(*)

* será postada em momento oportuno.
Texto criado em 1982.